#SocioQuímica - A Síntese da Amônia: Estaríamos aqui se ela não tivesse acontecido?

 

A Síntese da Amônia:

Estaríamos aqui se ela não tivesse acontecido?

Escrito por: Jéssica Silva Barbosa

Você já ouviu falar sobre a síntese da amônia? Se sim, é provável que tenha ouvido falar sobre como o processo de Haber-Bosch foi utilizado pela Alemanha durante a Primeira Guerra Mundial e por países do mundo todo em posteriores conflitos armados, ocasionando assim a morte de milhões de pessoas. Mas você sabia que esse processo também foi fundamental para garantir a sobrevivência de milhões de pessoas e que sem ele talvez você e eu não estivéssemos aqui?

Até o final do século XVIII, as principais fontes de nitrogênio na agricultura eram aquelas provenientes do próprio local, como restos de colheita, excrementos animais e humanos, etc. Já no início do século XIX, descobriu-se um reservatório natural de nitrogênio, os depósitos de guano no Oceano Pacífico, nas costas do Peru, mas este logo se esgotou devido a intensa exploração por europeus e norte-americanos. Outra fonte de nitrogênio muito explorada a partir de 1830 foram os depósitos de salitre (NaNO3) nos desertos chilenos, na cordilheira dos Andes. E, a partir de 1870, também passou-se a utilizar as chamadas “águas amoniacais”, provenientes da destilação seca da hulha (carvão mineral) para a obtenção do coque (CHAGAS, 2007).

Apesar de o nitrogênio ser um elemento abundante na atmosfera terrestre, chegando a mais de 78% de sua composição, este encontra-se em sua forma gasosa (N2), o que impossibilita seu aproveitamento por boa parte dos seres vivos. Assim, ainda durante o início do século XX, muitos processos industriais dependiam dos reservatórios naturais limitados de nitrogênio reativo (ERISMAN et al., 2008). Dessa forma, devido a alta disponibilidade na atmosfera, a limitação nos reservatórios naturais e a crescente necessidade por mais nitrogênio quimicamente reativo, deu-se início a “corrida do nitrogênio” que tinha como objetivo principal a sua sintetização.

Muitos pesquisadores já tentavam sintetizar a amônia desde o século XIX (CHAGAS, 2007), mas os resultados eram falhos, ineficientes e demandavam um alto consumo energético. No entanto, no ano de 1908, o químico alemão Fritz Haber (1868-1934) descobriu que era possível sintetizar a amônia (uma forma de nitrogênio quimicamente reativa) através de uma reação entre o nitrogênio e o hidrogênio atmosféricos na presença de ferro a elevadas pressões e temperaturas, tal processo demandava um menor consumo de energia, portanto, era consideravelmente mais barato (ERISMAN et al., 2008).

Sendo posteriormente desenvolvida em escala industrial por Carl Bosch (1874-1940), a síntese da amônia (que ficou conhecida como o processo de Haber-Bosch), tornou-se essencial, visto que aumentou a produção de muitos compostos caros ou raros, como corantes e fibras artificiais, embora seu maior impacto tenha sido na produção de explosivos e fertilizantes. Sem sombra de dúvidas essa foi uma das descobertas mais importantes do século XX, a descoberta que mudou o mundo (ERISMAN et al., 2008). Mas como o processo de Haber-Bosch garantiu a sobrevivência de milhões de pessoas e se relaciona com nossa existência?

A síntese da amônia facilitou muito a produção de fertilizantes nitrogenados, possibilitando sua produção em escala mundial, o que ocasionou um aumento na produtividade agrícola em diversas partes do mundo (Figura 1). Segundo estudos, estima-se que o número de pessoas sustentadas por hectare de terra arável aumentou de 1,9 para 4,3 pessoas entre 1908 e 2008. De acordo com o cientista tcheco-canadense Vaclav Smil, cerca de 40% da população mundial dependia de fertilizantes para a produção de alimentos no final do século XX. Conforme análises, cerca de 30 a 50% do aumento da produção agrícola se deve aos fertilizantes nitrogenados (ERISMAN et al., 2008).

 

Figura 1. Tendências na população humana e no uso de nitrogênio ao longo do século XX.



Fonte: ERISMAN et al., 2008, Nature Geoscience.

 

Sugere-se que cerca de 27% da população mundial no século XX foi sustentada graças aos fertilizantes nitrogenados, esse número equivale a cerca de 4 bilhões de nascidos (ou 42% do total estimado de nascimentos) desde 1908 (Figura 1). Estima-se ainda que tais fertilizantes foram responsáveis pela alimentação de 44% da população mundial no ano 2000 e, de acordo com ERISMAN et al. (2008), essa porcentagem seria de 48% em 2008 (ERISMAN et al., 2008).

Segundo a estimativa feita na Figura 1, sobre o número de pessoas que poderiam ser sustentadas sem o processo de Haber- Bosch, hoje teríamos somente pouco mais de 3,5 bilhões de pessoas em todo o mundo, o que corresponde a aproximadamente metade da população mundial atual. Hoje, mais de um século já se passou desde a síntese da amônia, e estima-se que atualmente, cerca de metade da humanidade tenha seu sustento alimentar associado ao processo de Haber- Bosch, são bilhões de pessoas que só podem ser alimentadas graças a essa descoberta. E aí, será que estaríamos aqui se ela não tivesse acontecido?


Para saber mais:

Documentário: Tudo se transforma, Reações Químicas, Fritz Haber e a síntese da amônia. PUC Rio. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=pgt5Az5fnuE> Acesso em: 20/05/2021.

BORGES, Jerry Carvalho; HIPÓLITO, Denise Aparecida. Uma descoberta que mudou o mundo. Ciência Hoje, out. 2008. Disponível em: <https://cienciahoje.org.br/coluna/uma-descoberta-que-mudou-o-mundo/> Acesso em: 20/05/2021.

INOVAÇÃO TECNOLÓGICA. 100 anos de síntese da amônia, a descoberta que mudou o mundo. Inovação Tecnológica, out. 2008. Disponível em: <https://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=100-anos-de-sintese-da-amonia--a-descoberta-que-mudou-o-mundo&id=010160081014#.YKrWdKhKjIX> Acesso em: 20/05/2021.

 

Referências Bibliográficas:

CHAGAS, Aécio Pereira. A Síntese da Amônia: alguns aspectos históricos. Vol. 30. Nº 1. São Paulo, SP: Química Nova, jan./fev. 2007. p. 240-247. Disponível em: <http://static.sites.sbq.org.br/quimicanova.sbq.org.br/pdf/Vol30No1_240_38-AG05215.pdf> Acesso em: 20/05/2021.

ERISMAN, Jan Willem; SUTTON, Mark A.; GALLOWAY, James; KLIMONT, Zbigniew; WINIWARTER, Wilfried. How a century of ammonia synthesis changed the world. Vol. 1. Nature Geoscience, out. 2008. p. 636-639. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/248828433_How_a_century_of_ammonia_synthesis_changed_the_world> Acesso em: 20/05/2021.

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