#SocioQuímica - Já trocou de celular hoje?

 Já trocou de celular hoje?

Escrito por: Jéssica Silva Barbosa

Tendo sido criado na década de 40 pela necessidade de um aparelho de comunicação que pudesse ser levado a todos os lugares, o celular facilitou muito a comunicação entre as pessoas, e vêm tornando-se cada vez mais necessário e presente na vida dos seres humanos, seja para fins pessoais, como profissionais. Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 81% da população brasileira com 10 anos ou mais possuía um aparelho celular para uso pessoal em 2019 (EDUCA IBGE, 2020). A cada ano, novos celulares são lançados no mercado com interfaces mais atualizadas, funções novas e modelos bonitos, chamando assim a atenção do consumidor que se sente instigado a adquirir um produto mais atual. Em média, cerca de dois bilhões de usuários de smartphones trocam de aparelho depois de 11 meses de uso no mundo todo (SANTINO, 2017), mas será que esses usuários pensam nas consequências do consumo desenfreado?

Logo que surgiram, os aparelhos celulares eram compostos por cerca de 20 a 30 elementos químicos diferentes (BURTON, 2017), mas na atualidade, devido as inúmeras inovações e o avanço da tecnologia, sua composição química é ainda mais variada. Hoje, pode-se encontrar mais de 60 tipos de metais diferentes em um smartphone (SANTINO, 2017), dentre os quais estão presentes os mais comuns, como o cobre (Cu), a prata (Ag) e o ouro (Au); os metais pesados, como o chumbo (Pb), o cádmio (Cd) e o mercúrio (Hg); bem como os chamados “metais de terras raras”, como o gadolínio (Gd), o disprósio (Dy) e o praseodímio (Pr), entre outros (Figura 01).

Figura 01: Alguns elementos químicos presentes na composição do celular.

Fonte: Extraído de CRQ-V (2017).

Mas de onde vêm esses metais? Os elementos presentes na composição dos celulares são encontrados em minerais, como o chumbo (Pb) que é extraído da galena, minério composto principalmente de sulfeto de chumbo II (PbS), ou o mercúrio que pode ser encontrado no minério cinábrio, formado basicamente por sulfeto de mercúrio II (HgS). Esses metais são extraídos por mineração em diversos países ao redor do mundo, e é a atividade mineradora uma das principais responsáveis por fazer a matéria-prima, necessária para a produção dos celulares, chegar até as indústrias.

Quase que 97% dos metais de terras raras são provenientes da China, país que também está entre os maiores produtores de ouro do mundo, com uma extração anual de 450 toneladas. Além da China, a Austrália e a Rússia também têm um papel importante na produção mundial de ouro, e na produção da prata, temos o México como primeiro colocado, seguido pelo Peru e pela China, como indica a Figura 02.

Figura 2: Principais fontes de commodities de minerais usados em celulares.

Fonte: Adaptado de JANNESS et al. (2016).

Já a platina, provém principalmente da África do Sul, da Rússia e do Canadá (SANTINO, 2017), e os demais metais podem ser encontrados em outros países. A Figura 03 indica alguns exemplos de onde são obtidos esses metais, seja sobre a sua fonte (minério) ou país de origem, além da aplicação e componente eletrônico em que o metal pode ser usado.

Figura 03: Exemplos de como esses minerais são utilizados nos celulares.

1República Popular da China, doravante denominada China.

2A China é o maior produtor mundial de areia industrial; entretanto, as informações disponíveis são inadequadas para formular uma estimativa confiável dos níveis de produção.

Fonte: Adaptado de JANNESS et al. (2016).

E o que a extração desses minerais tem a ver com o consumo de celulares? Como dito anteriormente, boa parte da população mundial não chega a permanecer nem um ano com o mesmo aparelho e, pela lógica, se uma pessoa deixou de utilizar o celular em menos de um ano sem que esse tenha estragado, significa que um novo foi adquirido, seja porque o antigo já não atendia às expectativas do consumidor, ou pelo simples gosto de se sentir atualizado perante as novas tecnologias. E é aí que mora o problema!

Quanto mais um determinado produto é consumido, maior será a sua produção, o que também ocasiona um aumento da produção da matéria-prima necessária para produzir tal produto. No caso dos celulares, esse consumo desenfreado provoca o aumento da demanda por matéria-prima, o que implica em mais extração, levando a uma possível escassez desses recursos e a grandes impactos ambientais, os quais podem chegar a ser irreversíveis.

Embora a atividade mineradora seja importante para a extração desses recursos, ela também é responsável pelos mais diversos problemas, que afetam diretamente o meio ambiente e consequentemente nós, seres humanos, de forma negativa. Segundo Araujo, Olivieri e Fernandes (2014, p. 2):

A mineração altera de forma substancial o meio físico, provocando desmatamentos, erosão, contaminação dos corpos hídricos, aumento da dispersão de metais pesados, alterações da paisagem, do solo, além de comprometer a fauna e a flora. Afeta, também, o modo de viver e a qualidade de vida das populações estabelecidas na área minerada e em seu entorno. (ARAUJO; OLIVIERI; FERNANDES, 2014, p. 2).

Um exemplo claro desses impactos ambientais é o lago tóxico (Figura 04) localizado em Baotou, cidade com 2,5 milhões de habitantes, situada na Mongólia Interior, na China, a qual se destaca pela produção de cério (Ce) e neodímio (Nd). Criado artificialmente para servir como local de despejo de subprodutos tóxicos que a produção de tais metais gera, este lago relaciona-se diretamente à necessidade desenfreada de consumo de aparelhos eletrônicos, tais como celulares (MAUGHAN, 2015).

Figura 04: Lago artificial recebendo subprodutos tóxicos em Baotou, na China.

Fonte: Extraído de MAUGHAN, BBC Future (2015).

Embora nem todos os impactos ambientais gerados pela atividade mineradora sejam tão visíveis e alarmantes como o mostrado na figura, estes possuem efeitos semelhantes e consequências tão catastróficas quanto. Ao analisar a imagem, podemos ter uma ideia do quão prejudicial ao meio ambiente essas extrações de minerais, ocasionadas pela crescente demanda por aparelhos celulares, podem ser.

A partir disso, podemos concluir que o consumo desenfreado de celulares gera grandes impactos ao nosso planeta. E aí, será que o preço de se sentir atualizado(a) com um celular de última geração vale a pena?


Para saber mais:

NOGRADY, B. Os metais valiosos contidos em seu smartphone - e por que ele pode se tornar um problema ambiental. BBC News. 2016. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-38092622> Acesso em: 10 ago. 2021.

PENKE, M. Tóxicos e radioativos: os danos da mineração de matérias-primas raras. DW Brasil. 2021. Disponível em: <https://www.dw.com/pt-br/t%C3%B3xicos-e-radioativos-os-danos-da-minera%C3%A7%C3%A3o-de-mat%C3%A9rias-primas-raras/a-57556473> Acesso em: 11 ago. 2021.

INSTITUTO MINERE. Uma mina em suas mãos: conheça os principais minerais que estão dentro do seu celular.  2020. Disponível em: <https://institutominere.com.br/blog/uma-mina-em-suas-maos-conheca-os-principais-minerais-que-estao-dentro-do-seu-celular> Acesso em: 11 ago. 2021.

Vídeo: Descubra a química que existe dentro do seu smartphone. Olhar Digital (dailymotion). Disponível em: <https://www.dailymotion.com/video/x6ba50v> Acesso em: 10 ago. 2021.

WILLIAMS, A. Scientists use a blender to reveal what’s in our smartphones. University of Plymouth. 2019. Disponível em: <https://www.plymouth.ac.uk/news/scientists-use-a-blender-to-reveal-whats-in-our-smartphones> Acesso em: 12 ago. 2021.


Referências Bibliográficas

ARAUJO, E. R.; OLIVIERI, R. D.; FERNANDES, F. R. C. Atividade mineradora gera riqueza e impactos negativos nas comunidades e no meio ambiente. In: Recursos minerais e comunidade: impactos humanos, socioambientais e econômicos, 2014, Rio de Janeiro, CETEM/MCTI, 2014. p. 2. Disponível em: <http://mineralis.cetem.gov.br/bitstream/cetem/1729/1/Livro_Recursos_Minerais_E_Comunidade_FormatoA4_em14_outubro_2014.pdf> Acesso em: 13 ago. 2021.

BURTON, J. Ordinary Minerals Give Smartphones Extraordinary Capabilities. U.S. Geological Survey. 2017. Disponível em: <https://www.usgs.gov/news/ordinary-minerals-give-smartphones-extraordinary-capabilities> Acesso em: 12 ago. 2021.

CONSELHO REGIONAL DE QUÍMICA DA 5ª REGIÃO. Composição Química dos Aparelhos Celulares. 2017. Disponível em: <http://www.crqv.org.br/index.php?option= com_content & view= article & id=207: composição-química-dos-aparelhos-celulares & catid= 96 & Itemid=2483> Acesso em: 12 ago. 2021.

EDUCA IBGE. Uso de Internet, televisão e celular no Brasil. 2020. Disponível em: <https://educa.ibge.gov.br/jovens/materias-especiais/20787-uso-de-internet-televisao-e-celular-no-brasil.html> Acesso em: 10 ago. 2021.

JANNESS, J. E. et al. A World of Minerals in Your Mobile Device. U.S. Geological Survey. 2016. Disponível em: <https://pubs.usgs.gov/gip/0167/gip167.pdf>  Acesso em: 12 ago. 2021.

MAUGHAN, T. The dystopian lake filled by the world’s tech lust. BBC Future. 2015. Disponível em: <https://www.bbc.com/future/article/20150402-the-worst-place-on-earth> Acesso em: 13 ago. 2021.

SANTINO, R. Garimpo tecnológico: um raio-x dos metais preciosos presentes no smartphone. Olhar Digital. 2017. Disponível em: <https://olhardigital.com.br/2017/09/08/videos/garimpo-tecnologico-um-raio-x-dos-metais-preciosos-presentes-no-smartphone/> Acesso em: 10 ago. 2021.

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