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Educação em Química e Inclusão

Escrito por: Maria Eduarda Madeiros Ribeiro

Nas últimas décadas, discussões sobre o tema inclusão vem crescendo, seja no âmbito do mercado de trabalho, nos esportes e principalmente na educação, mas afinal o que significa uma educação inclusiva? O termo inclusão representa um ato de igualdade entre diferentes indivíduos que estão em uma determinada sociedade, e na educação é a garantia de oportunidades para que alunos com necessidades especiais possam aprender ao lado de seus colegas em sala de aula, porém para realmente entender sobre a educação inclusiva é necessário conhecer um pouco de sua história.

A Constituição Federal de 1988, no artigo 205, define a educação como um direito de todos, garante o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. Sendo assim, a legislação estabelece a igualdade de condições de acesso e permanência na escola como um princípio básico, garantindo então um atendimento educacional especializado (GIL, 2017).

Desde então a educação inclusiva vem ganhando espaço em projetos e leis, dentre elas: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que define no artigo 58 (Lei nº 9394/96), como educação especial “a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação” (BRASIL, 1996, p. 31), o Programa de Acessibilidade no Ensino Superior (Programa Incluir), Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Plano Viver sem Limite), entre outros. Nesse sentido, é possível observar que o percentual de alunos com deficiência, matriculados no ensino regular aumentou, e a taxa de atendimento passou de 46,8% em 2007 para 85,9% em 2018, como indicado na Figura 01. 

Figura 01- Percentual de alunos, com necessidades especiais, matriculados em classes comuns no Brasil, de 2007 a 2018.

Fonte: MEC/Inep/DEED- Microdados do censo Escolar- Elaboração: Todos Pela Educação.

Nesse mesmo sentido, é possível observar uma diminuição significativa na matrícula de alunos com necessidades especiais e transtornos globais do desenvolvimento, em classes ou escolas especializadas, como apontado na Figura 02.

Figura 02- Censo Educação Especial/Inclusiva em classes especiais e comuns.

Fonte: MEC/Inep/DEED- Microdados do censo Escolar- Elaboração: Todos Pela Educação

Apesar do número de matriculados, em classes comuns vir aumentando, Vilela-Ribeiro e Benite (2010) discutem que não basta o espaço para que os alunos com necessidades especiais sejam incluídos. Tão importante quanto isso, é a integração entre escola, família, sociedade e poder público, organizando, apoiando e subsidiando ações para melhorias na legislação, no espaço e na formação de professores, para que possam ter condições de trabalhar com as diversas necessidades de aprendizagem.

Quanto aos espaços inclusivos e os alunos da educação em geral, muito se discute sobre os benefícios da educação inclusiva. Entre alguns desses benefícios estão a melhora no desempenho em áreas de linguagem e matemática, taxas de conclusão do Ensino Médio e relacionamentos mais positivos entre alunos. Conforme Vinodrao (2016, p. 186):

Esta tendência tem sido apoiada pelas políticas das Nações Unidas que afirmam os direitos das crianças (a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, 1989; as Regras Padrão das Nações Unidas para a Igualdade de Oportunidades para Pessoas com Deficiências (1993; a Declaração de Salamanca da UNESCO, 1994). Se os alunos com deficiência são educados na escola do bairro com uma classe especial ou escolas a alguma distância, esses alunos tornam-se parte de seu grupo de pares e da comunidade local.  As atividades têm maior probabilidade de ocorrer com as pessoas que veem todos os dias na escola, o que ajuda a desenvolver o relacionamento social.

No âmbito da química, a educação inclusiva também apresenta certa dificuldade específica da nossa ciência, exigindo dos docentes, capacitação especializada. Essa dificuldade pode ser devida a abstração dos conceitos, a presença marcante de elementos visuais relacionados ao fazer científico, a exemplo de gráficos, tabelas e equações (BENITE et al., 2014), além da experimentação em química, tão relevante para a elaboração de conceitos. Dessa forma, segundo Silva (2015, p. 41):

É importante conhecer as características de cada um dos alunos, sendo eles deficientes ou não, pois só assim será possível identificar suas habilidades e seus limites. E, quando julgar necessário, adaptar a proposta curricular a fim de atender as especificidades de cada um dos discentes. Vale salientar que a prática multissensorial não é uma mudança de conteúdo, mas uma possibilidade de reestruturação das atividades, das estratégias metodológicas e didáticas, em nada afeta os conteúdos pretendidos pela escola.

Mesmo com tantas dificuldades em relação à área da química, assim como outras, é possível e necessário implementar a educação inclusiva nas salas de aulas, como discutido por Fernandes e colaboradores (2017), sobre o ensino de química para alunos com deficiência visual. Para abordar transformações físicas e químicas, com 27 alunos, sendo que, 3 deles são cegos e 1 tem baixa visão, foram realizados alguns questionamentos sobre o assunto, sendo possível observar que parte dos alunos com deficiência visual tiveram certa dificuldade em observar e explicar os fenômenos, fato que ocorreu também com os alunos sem deficiência visual, revelando que, em alguns aspectos são poucas diferenças entre os alunos em relação às dificuldades na aprendizagem de química. Com isso, foram aplicadas algumas atividades experimentais multissensoriais, e em todos os experimentos, era possível identificar algumas variações como, sons de libertação de gás, mudanças de temperatura, e de odor. Também foram usadas, em algumas aulas, um programa de computador que trabalha a grafia química, braille. Portanto, as atividades desenvolvidas “conduziram os alunos com ou sem deficiência visual à aprendizagem do conteúdo de reações químicas, de maneira igualitária, participativa e inclusiva” (FERNANDES et al., 2017, p. 202).

O segundo exemplo de pesquisas que relatam experiências de educação inclusiva, é sobre alunos com deficiência auditiva, com dificuldades em compreender os conteúdos, pois não entendiam o que era discutido em sala. Assim, a investigação foi realizada em uma escola estadual, em Goiás, com sete alunos surdos do ensino médio, quatro intérpretes e dois professores de química. Para ajudá-los, os professores construíram atividades mais baseadas em comunicação visual, como elaboração de cartazes de modelos atômicos, experiências, histórias em quadrinhos. Segundo Pereira et al. (2011, p. 54) a “abordagem privilegiou a representação visual das propriedades de partículas associadas aos instrumentos que foram fonte de detecção destas”. A utilização dessa nova perspectiva colaborou para a melhoria do aprendizado de todos os alunos da sala, não somente os de necessidades especiais (PEREIRA et al., 2011).

Outro exemplo de atividade, foi a aplicação de um jogo, sobre balanceamento de equações, com 6 alunos com déficit de atenção, participantes de uma sala de recursos multifuncional, de uma escola no Paraná. Foi utilizado um jogo de cartas, balanças e peças de legos, e como pontos positivos, durante a aplicação do jogo, foram promovidas melhorias na socialização e no autocontrole, além de amenizar a desatenção, falta de comunicação e impulsividade (CEDRAN et al., 2020).

Com essas experiências é latente compreender que mesmo com todos os obstáculos, é possível incluir nas aulas de química, com o auxílio de recursos didáticos pensados para todos os alunos, especialmente para aqueles que apresentam algum tipo de necessidade, além da formação adequada para os profissionais que trabalham com educação. Então, enquanto o aluno com necessidades especiais for tratado como doente, maior a segregação. O papel da sociedade é pensar e criar oportunidades para incluir, assim como garantido por lei.

 

Referências Bibliográficas

A SUMMARY OF THE EVIDENCE ON INCLUSIVE EDUCATION. Alana, 2016.

Disponível em: 

https://alana.org.br/wp-content/uploads/2017/08/educacao-inclusiva_ingles.pdf.

Acesso em set. 2021.

 

ANUÁRIO BRASILEIRO DA EDUCAÇÃO BÁSICA, 2019. Disponível em: https://www.todospelaeducacao.org.br/_uploads/_posts/302.pdf. Acesso em set. 2021.

 

BENITE. A. M. C.; BATISTA, M. A. R. S.; SILVA, L. S; BENITE, C. R. M. O Diário Virtual Coletivo: Um Recurso para Investigação dos Saberes Docentes Mobilizados na Formação de Professores de Química de Deficientes Visuais. Química Nova na Escola, v. 36, n.1, 61-70, 2014. Disponível em: 

http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc36_1/10-PE-35-12.pdf. Acesso em set. 2021.

 

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 21 set. 2021.

 

CEDRAN, J. da C.; CEDRAN, D. P.; SILVA, L. Z.; Equilibre: Jogo didático como estratégia de balanceamento de equações químicas para alunos com déficit de atenção. Ludus scientiae,  v. 4, n. 2, ago./dez. 2020.

 

FERNANDES, T. C .; HUSSEIN, F. R. G. S.; DOMINGUES, R. C. P. R. Ensino de química para deficientes visuais: a importância da experimentação num enfoque multissensorial. Química Nova na Escola, v. 39, n. 2, p. 195-203, 2017.

 

GIL, M. A legislação federal brasileira e a educação de alunos com deficiência. Diversa educação inclusiva na prática, 2017. Disponível em: https://diversa.org.br/artigos/a-legislacao-federal-brasileira-e-a-educacao-de-alunos-com-deficiencia/. Acesso em set. 2021.

 

SILVA, J. M. Reflexões para um ensino inclusivo em sala de aulas de química: aporte na psicologia histórico-cultural. 2015. 79f. Dissertação de mestrado - Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências da Natureza - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2015.  Disponível em: 

https://app.uff.br/riuff/bitstream/1/4784/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Juliana%20Mendes.pdf. Acesso em set. 2021.

 

PEREIRA, L. L. S; BENITE, C. R. M.; e BENITE, A. M. C. Aula de Química e Surdez: sobre Interações Pedagógicas Mediadas pela Visão. Química Nova na Escola, v. 33, n. 1, 47-56, 2011.

 

VILELA-RIBEIRO, E. B.; BENITE, A. M. C. A educação inclusiva na percepção dos professores de química. Ciência & Educação, v. 16, n. 3, p. 585-594, 2010.

 

VINODRAO, S. Benefits of inclusive education for students with intellectual disabled, International Journal of Education and Management Studies, v. 6, n. 2,  186-189, 2016.  Disponível em: 

https://www.proquest.com/openview/1a275c1a6d9d1a737668f50351d4f700/1.pdf?pq-orig site=gscholar&cbl=2032132. Acesso em set. 2021.

 


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