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Gastronomia Molecular: A Ciência na Cozinha

Escrito por: Ana Clara de Freitas

A gastronomia é um ramo de conhecimento que envolve a culinária, o preparo de bebidas, alimentos e a utilização de diversos materiais, estando associada também a aspectos culturais que caracterizam e diferenciam os alimentos em determinadas regiões e no contexto em que está inserida (MIESSA, 2003; HAUMONT, 2013).

Na década de 1980, os cientistas Hervé This e Nicholas Kurti, extrapolaram os limites da conceituada gastronomia clássica e começaram a estudar os fenômenos físicos e químicos que ocorriam na culinária, durante o preparo dos alimentos. A partir dos seus estudos, é que se definiu o conceito da Gastronomia Molecular, que consiste na “exploração dos componentes técnicos, artísticos e relacionais da cozinha, uma prática em que se combinam ingredientes cuja composição molecular é compatível” (MONETA E BARBOSA, 2011, p.02).

Sendo assim, o conhecimento científico na gastronomia molecular pode ser utilizado para aprimorar ingredientes e ou processos de preparação de comidas que já são existentes ou para criação de novos tipos de pratos (GIL, 2010). Segundo Moneta e Barbosa (2011, p. 08),

o fato de a cozinha molecular incorporar novos ingredientes e tecnologias às preparações culinárias possibilitou mudanças nas estruturas dos alimentos. Com a cozinha molecular foram descobertas, em laboratório, novas técnicas e novos produtos, a partir da utilização da ciência (MONETA E BARBOSA, 2011 p.08)

 A partir dessa colocação dos autores, são utilizados diversos produtos na gastronomia molecular, podemos citar alguns exemplos como: Ágar-ágar (gelificante), Alginato de sódio, goma gelano e a metilcelulose.

        

·         Ágar-ágar: O ágar é um gelificante e espessante que é apanhado das algas vermelhas Gelidium e Gracilaria da classe Rodophyceae. O ágar permite a criação de gelatinas quentes, uma vez que gelifica a 38 ºC e só volta a liquefazer-se (a ser líquido), à temperatura de 85 ºC. Por conta dessa característica, também não derretem, e não se dissolvem na boca.

Vale ressaltar que os gelificantes são moléculas hidrofóbicas ou hidrofílicas, com uma grande massa molar, que apresentam a propriedade de reter moléculas de água, sendo assim mudando as características físicas do sistema onde se encontram, dessa forma são utilizados para melhorar a consistência e características de textura alimentos que são líquidos e semilíquidos. (MONTEIRO, 2017)

Além disso, o ágar é uma mistura de polissacarídeos que é composta por duas frações principais: Agarose e Agaropectina.

A agarose é uma fração gelificante, que é uma molécula linear neutra, ela é uma substância, livre de sulfatos, que são basicamente cadeias repetidas de unidades alternadas β-1,3 D-galactose e α-1,4 3,6-anidro-L-galactose. A agaropectina, fração não-gelificante, é um polissacarídeo, que é um sulfatado contendo porcentagens variadas de éster sulfato, ácido D-glucurônico, que contêm poucas quantidades de ácido pirúvico (AGARGEL, [s/d]).

Figura 1. Estrutura do Ágar.


Fonte: AGARGEL [s/d].

·         Alginato de sódio: é um sal do ácido algínico (C6H8O6), polissacárido linear isolado que é extraído das algas castanhas da classe Phaeophycaea (GIL, 2010). Alginato de sódio em sua fórmula estrutural é um copolímero aniônico composto por dois blocos de monômeros não ramificados. Possui dois grupos hidroxila nas posições C-2 e C-3 secundários e um grupo carboxílico na posição C-6 (CACURO, 2019) (Figura 2).

Figura 2. Estrutura alginato de sódio.


Fonte: MASSA CRÍTICA (2009).

·         Goma Gelano: conhecido como goma gelana, é um polissacárido extracelular obtido da bactéria Spingomonas elodea. As unidades construtoras de monossacáridos do gelano, são glucose, ácido glucurônico. São utilizados para a formação de géis e gelatinas (GIL, 2010) (Figura 3).

Figura 3. Estrutura do gelano.


Fonte: ROCHA (2012).

·     Metilcelulose: é um gelificante extraído da celulose dos vegetais, esse agente é utilizado experimentalmente em temperatura ambiente, na forma de pó branco, inodoro e sem sabor. A mistura é efetuada a frio e com forte agitação. Para hidratar deixa-se repousar, no frigorífico, a uma temperatura de 4 ºC. Em seguida aquece-se até uma temperatura de 55 ºC. Quando arrefece perde a capacidade de gel e volta a líquido. Sua fórmula estrutural apresenta os grupos carbóxilos foram substituídos por grupos metila (-CH3) (GIL, 2010) (Figura 4).

Figura 4. Estrutura da Meticelulose.

Fonte: DIRECTO AL PALADAR (2008).

O Ágar-ágar, Alginato de sódio, goma gelano e a metilcelulose são usados, em algumas técnicas comuns da gastronomia molecular, sendo elas: espumas, esferificação e gelificantes.

·         Espumas: pode-se usar sifão ou emulsificante e um mixer. Para o sifão, se tem a mistura de suco de produto como frutas, legumes, ou outros sabores e gelatina. Essa técnica, é também feita de espuma de sorvete, que precisa ser derretido e peneirado, ou de merengue. E no caso do mixer, é o suco com emulsificante e se faz a mistura (GIL, 2010) (FIGURA 5).

Figura 5: Espumas. 

Foto: FOUQUET (2009).

·        Esferificação: Essa técnica tem o objetivo de colocar um líquido dentro de uma esfera, através de dois métodos:

1.      Clássico: O alginato (ácido algínico, C6H8O6)   é dissolvido em água e gotejado numa solução de cloreto de Sódio (sal de cozinha, NaCl) para formar, pequenas esferas (GIL, 2010).

2.    Inverso: Desta vez é adicionado o gluconato de cálcio (C12H22CaO14) ou lactato de cálcio (C6H10CaO6), então é gotejada em uma solução de alginato (ácido algínico, C6H8O6) (GIL, 2010).

Figura 6. Esferificação.

Foto: BOND (2019).

·     Gelificantes: usa-se gelificantes como: ágar-ágar, metil celulose, carboximetilcelulose ou CMC. Essa técnica permite testar, e formar várias texturas de diversos sabores (GIL, 2010).

Figura 7. Gelificantes.


Foto: DELIWAY (2021).

·         Congelamento por nitrogênio líquido:  A utilização do nitrogênio (N2(liq)) é feita em temperatura de -196 ºC. Essa temperatura em contato com o ar faz com que o nitrogênio evapore e crie aquela fumaça que é usada para embelezar os pratos. Também é utilizado para acelerar o resfriamento de um alimento ou produzir um sorvete em poucos minutos (GIL, 2010).

O nitrogênio líquido tem uma grande capacidade de refrigeração preservando o sabor, cheiro e aparência mesmo após o descongelamento (BATTAGLIA, 2018).

Figura 8. Congelamento por nitrogênio líquido.

 Fonte: MSK INGREDIENT (2020).

Diante desses produtos e técnicas apresentados, dentre tantos outros, e da vasta possibilidade que essa gastronomia proporciona à culinária, conclui-se que a gastronomia molecular é uma ponte que une a culinária e a ciência, envolvendo técnicas da gastronomia aprimoradas e incorporadas por meio de conhecimentos científicos, enriquecendo o repertório de ambas as áreas de conhecimento.

Referências Bibliográficas

AGAR-AGAR. AGARGEL, [s/d]. Disponível em: <https://agargel.com.br/agar-agar/>. Acesso em: 21 set. 2021.

BATTAGLIA, Rafael. O que é gastronomia molecular? Entenda como funciona essa vertente da gastronomia que usa técnicas da indústria de alimentos. Super Interessante. 2018. Disponível em: <https://super.abril.com.br/ciencia/o-que-e-gastronomia-molecular/>. Acesso em: 18 set. 2021.

BOND, Sarah. Sriracha Caviar. Live eat Learn, 2019. Disponível em: <https://www.liveeatlearn.com/sriracha-caviar/>. Acesso em: 18 set. 2021.

CACURO, Thiago Aguiar. Compósitos de Alginato como Material Inteligente, Modulação de Solubilidade e Objeto de Ensino. 2019. 98 f. Tese (Doutorado) - Curso de Programa de Pós-graduação em Biotecnologia e Monitoramento Ambiental, Departamento de Física-Química e Matemática, Universidade Federal de São Carlos, Sorocaba, 2019. Cap. 8. Disponível em: <https://repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/12093/Tese%20Doutorado_Final.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 21 set. 2021.

DELIWAY. Gastronomia molecular: o que é e como funciona. o que é e como funciona. 2021. Redação Deliway. Disponível em: <https://www.deliway.com.br/blog/gastronomia-molecular>. Acesso em: 18 set. 2021.

DIRECTO AL PALADAR. Metilcelulosa: creando falsa alarma. 2008. Disponível em: <https://www.directoalpaladar.com/salud/metilcelulosa-creando-falsa-alarma>. Acesso em: 21 set. 2021.

FOUQUET, Virginie. Mousse de Carambar (Siphon). ChefNini. 14 dez. 2009. Disponível em: <https://www.chefnini.com/mousse-de-carambar-siphon/>. Acesso em: 18 set. 2021.

GIL, Maria Júlia Guedes Nunes. Gastronomia Molecular: uma abordagem de investigação para alunos do básico e secundário. 2010. 129 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Química Industrial, Universidade da Beira Interior, Covilhã, 2010. Disponível em: <https://ubibliorum.ubi.pt/handle/10400.6/3925>. Acesso em: 29 ago. 2021.

HAUMONT, Raphaël. Um químico na cozinha: a ciência da gastronomia molecular. Paris: Zahar, 2013. 09-21 p. Tradução de: Celina Portocarrero. Disponível em: <https://silo.tips/download/um-quimico-na-cozinha >. Acesso em: 29 ago. 2021.

MASSACRITICA. Ácido algínico (não são cerejas). 2009. Disponível em: <https://www.blogs.unicamp.br/massacritica/2009/04/10/acido_alginico_nao_sao_cerejas/>. Acesso em: 21 set. 2021.

MIESSA, Vanessa Prestes. Introdução à gastronomia. Instituto federal do Paraná - Educação a distância, Rede e-tec, Curitiba-PR; 2013. Disponível em: <http://proedu.rnp.br/bitstream/handle/123456789/1350/Introducao%20a%20gastronomia.pdf?sequence=1>. Acesso em: 22 set. 2021.

MONETA, Marina; BARBOSA, Maria de Lourdes de Azevedo. Cultura de Consumo Alimentar e Simbologias da Cozinha Molecular: uma perspectiva baseada nos discursos de chefes de cozinha. In: SEMINÁRIO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM TURISMO, 8., 2011, Bauneario Camburiu. Resumo [...] . Balneário Camburiu: Univali, 2011. p. 1-12. Disponível em: <https://www.anptur.org.br/anais/anais/files/8/115.pdf>. Acesso em: 17 set. 2021.

MSK IGREDIENTES. Ice cream & sobert. 2018. Disponível em: <http://msk-ingredients.com/molecular-gastronomy/ice-cream-and-sorbet-stabilisers>. Acesso em: 18 set. 2021.

ROCHA, Luís António Ferreira. Uso de gelana como uma nova abordagem na purificação de biomoléculas. 2012. 40 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Bioquímica, Universidade da Beira Interior, Covilhã, 2012. Cap. 2. Disponível em: <https://ubibliorum.ubi.pt/bitstream/10400.6/3257/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Luis%20Rocha.pdf>. Acesso em: 21 set. 2021.

SOUZA, Ayala Oliveira do Vale. DIGESTIBILIDADE APARENTE DE RAÇÕES COM MACROALGA (Gracilaria birdiae) PARA AVES. 2017. 30 f. TCC (Graduação) - Curso de Zootecnia, Centro de Ciências Agrarias, Universidade Federal Rural do Semiárido, Mossoró, 2017. Cap. 19. Disponível em: <https://repositorio.ufersa.edu.br/bitstream/prefix/5263/1/AyalaOVS_MONO.pdf>. Acesso em: 21 set. 2021

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