#TBChemistry - A origem controversa da Alquimia e seu longo caminho até Roger Bacon
A origem controversa da Alquimia e
seu longo caminho até Roger Bacon
Escrito por: Vitor Peres
Você provavelmente já deve ter ouvido falar muito da alquimia, mesmo que em algum lugar da cultura geek ou até mesmo em alguns livros de história ou de ciências. Pois bem, mesmo que já tenha ouvido sobre ela, você possivelmente não sabe onde ela se iniciou nem o por que dela ter tantas menções em diversas obras literárias e cinematográficas hoje em dia. A alquimia foi de extrema importância para o desenvolvimento da química e de outras ciências, sendo assim, ao realizarmos uma pesquisa no Google com a palavra “alquimia”, ela é definida pelo dicionário desenvolvido pela Oxford Languages como sendo “a química da Idade Média, que procurava descobrir a panaceia universal, ou remédio contra todos os males físicos e morais, e a pedra filosofal, que deveria transformar os metais em ouro; espagiria, espagírica”.
Contudo, sabemos que através de inscrições, papiros e peças arqueológicas que na antiguidade os caldeus, babilônios, sumerianos e, principalmente, os egípcios tinham um grande conhecimento sobre metais, ligas metálicas, cerâmica entre outros tipos de materiais. Ainda assim, apesar de possuir este conhecimento e conseguir manipula-los de forma puramente técnica, eles não conseguiram naquela época conduzir este conhecimento para a pesquisa cientifica, utilizando-o apenas para as necessidades imediatas de construção de utensílios, armas e objetos artísticos. Nesse sentido o primeiro metal que chamou a atenção dos nativos naquela época foi provavelmente o ouro devido sua cor e brilho. O ouro mais antigo foi provavelmente obtido como pequenas pepitas pela lavagem de depósitos aluviais (Fig. 1). Ornamentos de ouro são encontrados com restos de implementos de pedra polida e trabalhada que datam de um período muito antigo (PARTINGTON, 1989) (CHASSOT, 1994).
Figura
1. Garimpagem de ouro no antigo Egito.
Fonte:
Partington, (1989)
Apesar disso tudo, é praticamente impossível dizer de onde a alquimia se originou, visto que, suas origens são várias, imprecisas, difusas e discutíveis, sendo assim, pode-se dizer que a alquimia possui uma grande conexão com técnicas arcaicas, mágico-míticas da humanidade, que possivelmente podem ter surgido com o despertar da consciência, em outros termos, podemos dizer o ato de buscar respostas devido a curiosidade do homem primitivo poderia ser tratado como uma postura semelhante, ou até mesmo idêntica, com o que a alquimia em uma era mais desenvolvida impõe (ELIAGE, 1979). Desta forma, usufruir de instrumentos feitos de pedra e madeira, além de ser capaz de usá-los como utensílios tem a ver com a tomada de consciência, adaptação do homem ao seu meio natural, e consequentemente o desenvolvimento da alquimia que futuramente seria uma enorme estrutura para o surgimento da química (CHASSOT, 1995).
Embora
todo esse passado incerto da origem da alquimia, existem diversas vertentes
onde se acredita que a alquimia tenha se originado e se estabelecido na
Alexandria entre os séculos III a.C. e I a.C., cidade fundada na foz do Nilo em
332 a.C. retratada na figura 2, por Alexandre o Grande. Neste sentido digamos
que a alquimia nesta época nasceu através de “uma mistura entre as artes
práticas dos antigos, principalmente dos egípcios mencionados anteriormente e
dos mesopotâmicos, de filosofia grega, e do misticismo hebraico persa” (MAAR,
2008). Sendo assim durante este período se estabelece o que conhecemos como a
Alquimia Alexandrina, não se engane, ela é apenas uma de diversas outras
alquimias que se estabeleceram no mundo, deste modo, como já foi mencionado
anteriormente a alquimia não possui uma origem bem definida, portanto, havendo
relatos em diversos estudos caracterizando a alquimia de diversos outros
lugares como por exemplo, a Alquimia Chinesa, a Alquimia Islâmica e a Alquimia
na Europa Medieval.
Figura
2. Concepção artística da Alexandria do artista alemão Adolf Gnauth.
Fonte:
Foi publicada no livro Ägypten in Bild und Wort: dargestellt von
unseren ersten Künstlern, de Georg Ebers, 1879.
Posteriormente com a entrada da Idade Média (476 d.C-1453), ela passa a se tornar um cenário ideal para o desenvolvimento da Alquimia Europeia (MAAR, 2008). Segundo Alfonso-Goldfarb (2001), se estabelece na Europa um vasto conhecimento proveniente de uma civilização árabe, que numa visão interpretada e aumentada pelos pensadores mulçumanos a alquimia é alavancada e se desenvolve de uma forma mais dinâmica tendo como o estudo da matéria como uma de suas grandes preocupações, desta forma, estavam mais preocupados com a manipulação da natureza de fato do que com a teoria em si. Em decorrer de todo esse desenvolvimento que ela passa, no final do século XII, a maioria dos trabalhos de alquimia encontrava-se sob posse dos europeus (ALFONSO-GOLDFARB, 2001).
Neste período em que a Alquimia se desenvolveu na Europa houve a formação de duas correntes que visavam a discussão acerca da alquimia, essa corrente mais tarde vinha a ser chamada de “via antiga”. A primeira corrente que era denominada “experimentalista”, tem como protagonista Robert Grosseteste (1168-1253) representado na figura 3, um severo crítico daqueles tentavam assimilar os pensamentos de Aristóteles com a teologia cristã, e um grande estudioso das obras de Santo Agostinho e do aristotelismo do filósofo Avicena (ALFONSO-GOLDFARB, 2001).
Figura
3. Bispo Robert Grosseteste, na janela do transepto sudoeste da
Igreja
Paroquial de St. Paul, Morton, Perto de Gainsborough.
Autor: William Morris 1896
Por
outro lado durante a segunda corrente da “via antiga”, tínhamos Alberto Magno
(1193-1280), demonstrado na figura 4, como protagonista, era um grande
estudioso que ficou conhecido por ser um dos primeiros a incluir as ideias de
Aristóteles no estudo ministrado das universidades europeias. Suas reflexões influenciaram
diversos pensadores a se interessarem pela “Arte”, um desses pensadores era Roger
Bacon que acabou se tornando o primeiro reconhecer a alquimia como ciência do
mais alto nível (ALFONSO-GOLDFARB et al. 2016).
Figura
4. Alberto Magno, Teólogo Alemão
Fonte:
Science Photo Libary
Segundo
Reegen e Lacerda (2011), Roger Bacon (Fig.5) viveu durante o século XIII,
nasceu em 12143 e faleceu em 1292, nasceu em Ilchester, Somerset, Inglaterra, onde durante
sua vida iniciou sua formação na escola franciscana de Oxford onde foi
influenciado fortemente pela mesma, e também teve futuramente uma passagem
notável na Universidade de Paris onde ele adquiriu o título de doutor em
Teologia. Ao se tornar um franciscano, ou seja, se tornar parte de uma ordem
religiosa funda por São Francisco de Assis no século XIII se tornando um dos
mais impactantes fenômenos religiosos de sua época (BARROS, 2011), logo, passou
a se dedicar em um projeto que tinha por objetivo a confecção de uma enciclopédia
idealizado por Bacon com um aspecto reformista particular, tentando transcender
tudo o que foi criado pela sociedade da época e estudado nas grandes cidades
(REEGEN; LACERDA, 2011).
Figura 5. Filósofo franciscano e reformador educacional inglês Roger Bacon mostrado em seu observatório no mosteiro franciscano, Oxford, Inglaterra (gravura c. 1867).
Fonte: Encyclopedia
Britannica
Ao
nos depararmos com a história de Bacon e a de seus estudos, uma de suas
contribuições mais importantes para o ramo da ciência foi sua orientação de
unificar o empirismo, a experimentação e o desenvolvimento matemático, atitude
esta, que o promoveu como o percursor da revolução cientifica dos séculos XVI e
XVII. Bacon diante da ciência classificou-a da seguinte maneira representada
pela tabela 1.
Tabela
1: Classificação das ciências de acordo com Roger Bacon.
Fonte: Maar
(2008, p.149)
Foi
durante toda a sua vida e principalmente ao estabelecer a Ciência experimental
que Bacon transpareceu seu grande apreço pela alquimia, pois, segundo ele a
Alquimia prática era a mais importante das ciências tanto que, em sua obra
“Oprus Tertius” retrata as chaves da alquimia, de tal forma que, esse termo
fazia alusão as operações estudadas por ele, tais como, “[...] purificação,
destilação, ablução, calcinação, ustulação, moagem, mortificação, sublimação, proporção, decomposição, solidificação,
fixação, liquefação, projeção e depuração” (MAAR, 2008).
Na
alquimia fundamentada nos estudos de Bacon, há uma enorme discussão acerca da
transmutação de metais, isto é, ao concordar com as ideias de Avicena, de que
os metais são constituídos de formas genuínas de “enxofre” e “mercúrio” em diferentes
quantidades, sendo que o ouro possuía a mais perfeita proporção entre estes
metais, ou seja, a ideia proposta por Bacon era de que “[...] os metais que não
tiverem o balanço perfeito deverão ser ‘tratados’ com os ‘remédios’ adequados,
para que obtenham o equilíbrio e a perfeição do ouro” (ALFONSO-GOLDFARB, 2001,
p. 119). Deste modo, supõe-se que esse “remédio” proposto por ele seria um
possível cura do metal que viria a se tornar uma grande busca por um “elixir”
que seria capaz de transformar qualquer metal em ouro e também seria possível
com ele trazer também a cura do homem podendo prolongar sua vida. Bacon sugeriu
um conjunto de possibilidades como por exemplo, a calcinação, pulverização e a
sublimação, ou seja, uma série de processos que o material de partida deveria
ser submetido. Sendo assim, a busca por esse “elixir” se tornou a principal
característica da alquimia europeia (ALFONSO-GOLDFARB,
2016).
Hoje
em dia existem visões diferentes sobre o papel da Alquimia para o
desenvolvimento da Química, embora seja difícil afirmar que a Alquimia deu
origem à Química, por conta de seus objetivos e forma de interpretar os fenômenos
observados, é inegável a contribuição da Alquimia para o desenvolvimento de
técnicas de laboratório e síntese de substâncias fundamentais para nossas
ciências nos dias de hoje.
Para saber mais:
MAAR, Juergen Heinrich, “Aspectos
históricos do ensino superior de química”, Scientiæ Studia, S. Paulo, 1,
2004, 33-84.
Disponível em https://www.scielo.br/j/ss/a/sq9xSdnwf6syXphxGDdmcdx/ Acesso em 30 de agosto de 2021.
NASCIMENTO JUNIOR,
Antonio Fernandes. "Fragmentos da história das concepções de mundo na
construção das ciências da natureza: das certezas medievais às dúvidas pré
modernas". In: Ciência & Educação, v.9, n. 2. Bauru, Unesp, 2003.
Disponível em https://www.scielo.br/j/ciedu/a/XdM9Kt5FfXKztSqKWYWVzpd Acesso em 30 de agosto de 2021.
VARGAS, Naior de Souza.
Aspectos históricos da alquimia. Revista Junguiana, v. 35-2,
p.69-76, 2017.
Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/pdf/jung/v35n2/08.pdf
Acesso em
30 de agosto de 2021.
Referências
Bibliográficas
ALFONSO-GOLDFARB, A. M.
Da alquimia à química. São Paulo: Landy Editora, 2001.
ALFONSO-GOLDFARB, A.
M.; FERRAZ, M. H. M.; BELTRAN, M. H. R.; PORTO, P. A. Percursos de história
da química. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2016.
BARROS, José D´
Assunção. Considerações sobre a História do Franciscanismo na Idade Média.
In: Estudos de Religião, V. 25, N. 40, 110-126, jan./jun. 2011.
CHASSOT, A. I. Alquimiando a Química. Química Nova na Escola, n.1, p.20-22, maio, 1995. Disponível em http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc01/historia.pdf Acesso em 30 de agosto de 2021.
CHASSOT, A.I. A
ciência através dos tempos. São Paulo, Moderna, 1994a, 193p.
ELIADE, M. F. Ferreiros
e Alquimistas. Rio de Janeiro, RJ: Zahar, 1979. Disponível em https://docplayer.com.br/storage/69/60838732/1630616905/CDywPRZdxWl7gQgqFK9xxw/60838732.pdf
Acesso em 02 de setembro de 2021.
MAAR, J. H. História
da química. Florianópolis, SC: Conceito Editorial, 2008.
NASCIMENTO JUNIOR, Antonio Fernandes. "Fragmentos da história das concepções de mundo na construção das ciências da natureza: das certezas medievais às dúvidas pré modernas". In: Ciência & Educação, v.9, n. 2. Bauru, Unesp, 2003. Disponível em https://www.scielo.br/j/ciedu/a/XdM9Kt5FfXKztSqKWYWVzpd Acesso em 30 de agosto de 2021.
PARTINGTON, J. (1989). A
short history of chemistry. New York: Dover
REEGEN, J. G. T.; LACERDA, R. C. Rogério Bacon e o conhecimento da matemática. Thaumazein, a. 4, n. 08, Santa Maria, dez. 2011, p. 62-72. Disponível em https://scholar.archive.org/work/4diwnfopwbftxbto4iulvrtlby/access/wayback/https://www.periodicos.unifra.br/index.php/thaumazein/article/viewFile/78/pdf Acesso em 30 de agosto de 2021.
Comentários
Postar um comentário